PREVISÕES A INUNDAÇÕES E DESLIZAMENTOS: Um recorte entre o passado e presente de Salvador

(texto em resposta ao Em questão  : “O CUSTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DOS FENÔMENOS AMBIENTAIS“)

A ocorrência de desastres naturais não é de decisão humana. Não é possível contrariar as razões da natureza, mas é possível prever e evitar situações que piorem as condições decorrentes dos desastres. É necessário prever e informar a população que vive em áreas de riscos e alertá-las sobre a situação e possíveis ocorrências a fim de evitar maiores problemas.

A Constituição Federal de 1988 prevê que a União, os Estados e os municípios são responsáveis por criar medidas não apenas na iminência de um desastre natural, mas também de propor medidas para evitar riscos à população, ao meio ambiente e ao ecossistema. O monitoramento e planejamento prévio aos eventos naturais faz parte dessas medidas que permitem uma redução dos riscos a desastres, assim como o mapeamento de áreas reincidentes e suscetíveis. O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), apresenta métodos e projetos nesse sentido, estruturando avaliações e mapeamentos de áreas de risco, fazendo monitoramento dessas áreas e o planejamento de drenagem e expansão urbana em áreas de movimentos de massa. Dentre as ações apresentadas pelo Cemaden está a instalação de pluviômetros em comunidades para que população observe a possibilidade de evento, além do cadastro de municípios para que sejam postos em prática esses projetos. Entre os municípios listados como suscetível a desastres naturais está a capital baiana.

O desnivelamento característico de Salvador, quando se deu sua fundação no século XV, era sinal de proteção e dividia a cidade em dois pontos chamados de Cidade Alta e Cidade Baixa, servindo a parte alta, considerada mais segura, para zonas residenciais e para sediar os políticos e religiosos, e a área baixa para o comércio, embarque e desembarque marítimo. Cerca de 100 anos depois, parcela da população, vendo a necessidade de expansão e a redução do temor a invasões, migra para a Cidade Baixa, onde havia o maior acesso ao comércio. Posteriormente, já no século XVII, dá-se início ao crescimento desordenado e espontâneo da cidade de Salvador intensificado no século XIX com o fim da escravidão.

Segundo a CODESAL (Defesa Civil de Salvador) as áreas de risco de Salvador decorrem de dois fatores: falhas geológicas que separam a Cidade Alta e a Cidade Baixa e; regiões que tiveram seu crescimento habitacional desordenado.

A urbanização desordenada e a consequente falta de planejamento na ocupação e uso do solo acarretou problemas ambientais que se agravam com a chegada dos eventos naturais. Estes por sua vez impactaram impactaram negativamente na já existente e visível vulnerabilidade socioambiental, onde uma parte da população mais pobre é alocada em áreas com topografia acidentada, marginalizadas e sem condições de estrutura para estabelecer moradia.

Em um contexto geral, mudanças na ocupação e uso do solo modificam a forma de escoamento das águas pluviais, demandando entre outras coisas uma infraestrutura de escoamento mais complexa que requer mais atenção e investimentos para implantação e manutenção. A má ou boa operação do manejo de água da chuva é um dos fatores responsáveis pela ocorrência ou não de inundações e consequentes deslizes de terra. Adicionalmente, a eficiência do sistema é comprometida pelo hábito de descarte incorreto de resíduos sólidos em vias públicas. Assim o escoamento das águas que devido a topografia local já causava problemas, agravou-se diante da redução do seu poder de infiltração causada pelas construções de estradas, moradias e entupimento de calhas, favorecendo a ocorrência de alagamentos.

O escoamento de águas da cidade de Salvador se dá inicialmente pela microdrenagem, através de caixas de passagem de águas pluviais para as rede de drenagem, passando ao processo de macrodrenagem que é o deslocamento dessas águas para o rio. A cidade passa por problemas nos seus canais, pelo fato de alguns dos seus rios estarem localizados em regiões de grande fluxo tanto de pedestres como de automovéis. Alguns desses canais permanecem abertos gerando um acúmulo cada vez maior de lixo, mal cheiro e exposição a doenças. Em outros canais, viabilizando obras de praças e quiosques, verifica-se tamponamento e pavimentação, que por um lado gera um maior dinamismo e convívio no bairro, mas por outro lado dificultam financeiramente e tecnicamente sua manutenção feita pela retirada das placas de concreto para realizar a limpeza.

No âmbito preventivo a cidade conta com um programa intitulado “Operação Chuva”, funcionando 24 horas para prevenção e assistência a famílias em situação de riscos ou que perderam seus imovéis. O programa sustenta-se com investimentos municipais na aplicação de lonas e geomantas, recuperação de escadarias, obras de drenagem, limpeza de canais e bueiros, pavimentação e poda de árvores, fiscalização e monitoramento e pagamento de aluguel social. Segundo o levantamento de dados da Operação Chuva de 2016, a ameaça de deslizamento de terra corresponde a 36,4% das ocorrências das regiões pertencentes ao projeto de Prefeitura Bairro.

A junção de políticas públicas de prevenção, uso de tecnologias e atenção do impacto de ações humanas, evitaria grandes problemas urbanos decorrentes de eventos naturais. De forma mais imediata, fazendo um acompanhamento da situação do local, monitoramento do tempo e clima. A longo prazo, demanda-se maior investimento na eficiência do sistema de drenagem que pode minimizar os custos de um possível evento natural com gastos futuros em infraestrutura e obras de reconstrução, atenuando os problemas de moradia da população pobre que a cada evento põe em risco a própria vida. Paralelamente e de forma permanente, faz-se urgente também ações voltadas a mudança de comportamento dos cidadão quanto ao descarte apropriado de resíduos sólidos, evidenciando a importância das pessoas na prevenção aos desastres naturais e na redução dos seus efeitos quando estes ocorrem.(acesso ao artigo em pdf)

Gizele Reis e Milena Carneiro
Graduandas em Economia na UEFS.
Pesquisadoras do RHIOS.

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